Se é verdade-verdadinha que nunca foi o meu sonho de criança exercer a profissão que tenho hoje, também é verdade-verdadinha que há escolhas bem mais estranhas que a minha. Por exemplo, o que é que leva um gaijo a enveredar pela carreira de traficante de órgãos humanos? O pagamento se calhar até é bom ( não sei quanto é que estará a valer um rim no mercado negro, mas deve ser uma maquia respeitável ) mas em termos de realização profissional deve deixar algo a desejar. Não devem ter seguro de saúde, 13º mês, férias e o stress deve ser bastante. E não me parece que seja um bom tópico de conversa nas festas, entre uma e outra mini. - O que é que você faz na vida? - Trafico órgãos humanos. - Desculpa?... - Sim, Trafico órgãos humanos. A minha amiga Solange que é prostituta atrai os homens para um quarto de hotel e põe-nos inconscientes com uma marretada nos cornos, depois, eu abro-os como se fossem porcos em dia de matança, saco-lhes uns orgãos e deixo-os numa poça de sangue, com um penso rápido, um chocolatinho de leite e um cartão insultuoso. Adoro esta música... a menina dança?
Neste registo deve ser muito difícil convencer alguém a ir para a cama, porque elas nunca sabem quando é que vão acordar dentro de uma banheira cheia de gelo ou, muito simplesmente, abrir o frigorífico e encontrar um tupperware com um fígado lá dentro ao lado do frasco da maionese.É que, ao contrário desta, há muitas outras actividades ilegais com bastante mais glamour, como ladrão de jóias ou de obras d'arte. As mulheres pensam logo num Arsène Lupin, no Pierce Brosnan ou no Sean Connery, perigo e emoção, já é meio caminhinho andado. E deixem-me dizer, desde já, que se alguma dessas redes de tráfico de órgãos alguma vez me quiser roubar alguma coisa, basta aliciarem-me com comida. Não são precisas mulheres fatais, apenas um eclair ou uma sandes de coiratos e/ou torresmos.
-Ó sócio, anda ali atrás àquele barracão escuro connosco.
-Nããã... Eu não vos conheço de lado nenhum e vocês, com essas batas todas ensanguentadas e esses bisturis, têm um ar muito suspeito se quer que lhe diga.
-Mas temos lá bolos quantos queiras.
-Ah, atão tá bem.
A sério, sejam amigos do amigo, não mandem uma jovem para me seduzir. Já basta ficar sem um órgão vital, não é preciso destruirem-me a auto estima também. Sim, porque o meu primeiro pensamento numa situação dessas seria «Homéssas, a minha performance foi assim tão má que ela sentiu necessidade de me esventrar?». Não é que nunca me tenha acontecido, mas é sempre chato, e fico chateado pois com certeza que fico.