terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Só Amor Não Basta

Marco era o filho único de uma família rica e tradicional. Nascido em berço de ouro, vivia na  luxuosa vivenda da família em S. João do Estoril. No entanto, era um rapaz muito sociável e simples.Gostava de frequentar os bailes e festas dos subúrbios mais pobres, onde podia “misturar-se aos plebeus”, como dizia sua avó Helga, recentemente acometida pela demência . E foi no bairro da Cova da Moura ( Amadora ), que conheceu a Clotilde, uma negra estonteante, de curvas voluptuosas, olhos castanhos e cabelos anelados. Trocaram olhares pela primeira vez na fila do "MASTRO-BAR", quando Clotilde pediu um “Sex on the beach” com bastante vodka. Aquele flurt provocante e malicioso foi o suficiente para encorajar o rapaz a segurá-la pelo braço e sussurrar-lhe um pirôpo audacioso ao ouvido. Ela levou o dedo mindinho à boca e sorriu corada. Beijaram-se sofregamente numa viela escura, onde trocaram fluídos corporais à exaustão, antes do amanhecer já estavam perdidamente apaixonados .
Pela primeira vez, Marco estava a sentir e saborear o etéreo torpor de quem ama. Quis levar a sua conquista para um lugar mais íntimo e reservado, onde poderiam entregar-se aos prazeres carnais até seus corpos caírem inertes, mas ela declinou a proposta: tinha de estudar para um teste, tratar das madeixas e fazer manicure – tarefas que todas as meninas de família costumam deixar para o domingo, antes da missa vespertina. Ele, plangente, não insistiu, mas prometeu telefonar.
No regresso a casa, Clotilde sentia-se assaltada por um conflito interior muito grande. Estava apaixonada por Marco, isso era facto, mas tinha medo da reação do pai. É que Sr. Evanildo sempre fora totalmente contrário à idéia de relações inter-raciais, e também detestava a burquesia estabelecida do Estoril. Consumida pela dúvida, Clotilde optou por não atender as chamadas e mensagens de Marco, antes que o seu coração fosse arrebatado por aquela paixão.
O rapaz, porém, não aceitou as escusas da amada, e bradou a plenos pulmões, que enfrentaria qualquer obstáculo para tê-la nos seus braços novamente. Clotilde ficou convencida de que valeria a pena enfrentar as rédeas tesas do pai para viver aquele amor, e marcou um encontro com Marco para saciarem a saudade.
Durante horas pensaram num plano, para que o namoro fosse abençoado pelas famílias de ambos, mas nada parecia suficientemente perfeito. Marco sugeriu que  fugissem para outro país, mas Clotilde não achou a ideia atraente. Exaltado, o rapaz pediu para que Clotilde esperasse, em nome do amor que compartilhavam, pois uma grande ideia tinha acabado de brotar na sua mente. Algo monumental, nunca antes visto nas histórias de amor. Comovida, ela consentiu e deu-lhe um beijo. Esperaria o tempo que fosse, para sacramentar definitivamente aquele amor. Marco partiu, afirmando que voltaria com uma solução irrefutável, e que viveriam felizes para sempre.
Duas semanas passaram-se, sem que chegassem notícias do rapaz. Até que, num sábado de céu estrelado, Marco tocou à campainha do apartamento de Clotilde, de surpresa. Ao abrir a porta, a moça apanhou um susto e apavorou-se, soltou um grito de desespero, prontamente abafado pela boca do rapaz num beijo arrebatado. Lá estava ele, completamente pintado de preto, com um sorriso escancarado no rosto, segurando um lindo buquet de rosas amarelas.
A explicação não se fez esperar, quando Clotilde recuperou, na medida do possível, daquele terrível susto. Começou a contar como fora o processo de transformação. Valendo-se da fortuna inesgotável da sua família, Marco contratou oito dos mais competentes tatuadores conhecidos, e foi para a clínica do pai, onde lhe deram uma anestesia geral e passou doze horas cobrindo o corpo com tinta preta. Tudo preto, em nome do amor contundente que sentia por aquela rapariga.
Depois de ouvir toda aquela fábula, Clotilde respirou fundo e olhou para a bizarra combinação da pele artificialmente escurecida, com os cabelos naturalmente ruivos do rapaz. Sairam juntos durante uma par de noites, mas Clotilde estava diferente.Distante e aborrecida. Ruminando as ideias, um belo dia chamou Marco a sua casa e sem cerimónia, bateu com as mãos nos joelhos e pôs fim ao namoro, ali mesmo, à porta do prédio. Marco, inconsolável, em lágrimas, não conseguia entender o que acabara de acontecer. Justificou-se, afirmando que fizera um verdadeiro sacrifício por ela, mas a negativa permaneceu incólume. “Só amor não basta”, murmurou ela, secamente, pedindo que o rapaz a deixasse em paz.
Desesperado, o rapaz ficou em pranto, a gritar no meio da rua: “Porque é que só o amor não basta? Porque é que só o amor não basta?”. Os vizinhos e transeuntes riam e zombavam dele. Clotilde ria-se também da janela do quarto, até que lhe gritou sarcástica: “O amor é como criar um elefante Marco. Dá um trabalhão e mais dia menos dia caga-te em cima”. Ria-se com escárnio. Ninguém, nem mesmo a vizinha do 319, compreendeu o que ela quis dizer com aquilo, mas o rapaz desapareceu dali, vencido pela vergonha.
Clotilde fechou a janela, fechou as cortinas, pegou no ramo de rosas amarelas ainda com um sorriso nos lábios, enterrou a cara no meio das rosas e respirou fundo para lhe sentir o perfume. Numa questão minutos ficou sem conseguir respirar, os lábios e as narinas incharam tanto que pareciam duas bolas de ténis, ao mesmo tempo que uma violenta erupção cutanea lhe invadiu a pele.Morreu sem que ninguém pudesse valer-lhe. Foi encontrada pela mãe, sem vida, no chão do quarto pintado de rosas amarelas. Os médicos apuraram que ela sofria de uma desconhecida e fatal alergia a rosas amarelas.
Os vizinhos lamentaram muito a perda de uma vida tão jovem. Culparam o namorado -" Aquele preto do caralho com quem ela andava ultimamente ! "

Moral da história :
Haaa... sei lá...desenrasquem-se !

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