terça-feira, 31 de maio de 2011

Three on a Match

Carlos não era um gaijo muito paciente. Um ano depois de se casar com Carla,  resolveu finalmente reclamar de seus dotes culinários:
-Eu não sinto que haja amor nos teus cozinhados. Não há amor no teu arroz de feijão, que tresanda. Nunca conseguiste fazer um jantar saboroso, como os que só minha mãe sabia preparar. Desculpe, môr, mas eu precisava desabafar! Isto estava entalado na minha garganta, junto com as espinhas do peixe de domingo!
Com as lágrimas nos olhos, a esposa agarrou em Carlos pelo braço e conduziu-o até a porta de casa. Com as mãos e a voz trémulas e, balbuciando baixinho, Carla também desabafou:
-Eu não sinto que haja amor em ti. Nem nas tuas virilhas, que fedem a queijo podre. Tu nunca conseguiste fazer-me vir, como só o Zé sabia. Desculpa môr, mas eu precisava desabafar! Isto estava entalado na minha garganta, onde o teu pau nunca conseguiu chegar!

quarta-feira, 25 de maio de 2011

A Holy Terror

Uma das muitas coisas que sempre me intrigou, foi o facto das revistas que as educadas e idosas senhoras que testemunham em favor de Jeová me davam terem, invariavelmente, desenhos coloridos de alegres petizes de várias etnias a  brincar, despreocupadamente, em verdes e floridos prados, com pandas e os outros animais considerados selvagens. Não saberão as pessoas responsáveis pela concepção destas revistas que, para além dos pandas não habitarem em prados floridos, este é um perigoso animal selvagem? Afinal de contas o panda é um urso! - não é tipo "vem aí o Sousa, o tipo é um granda urso, vamos embora", mas antes "vem aí um urso, foge Sousa" - O urso é um animal selvagem e que não é conhecido pelas suas capacidades de babysitting (o urso, não o Sousa ).
"Ah, mas os pandas são muito fofinhos e só comem bambu", dirão vocemecês-que-só-querem-javardizzzze. Ora fofinhos eles até podem ser, podem até serem simpáticos, ao ponto de terem ido para o paraíso, ao contrário dos ursos maus que foram para o inferno como o Winnie the Pooh e do ursinho que andava sempre no colo da Madeleine McCann - dizem que era o peluche preferido de Maddie, mas para mim ele é o responsável máximo, o mandante, o autor moral do desaparecimento da miúda -  E pá, se os pandas só comem bambu é porque, com certeza, nunca ferraram o dente numa tenra criancinha (*).

(*) O termo usado pelo autor "tenra criancinha" é usado única e exclusivamente num contexto gastronómico.


sexta-feira, 20 de maio de 2011

Kid Galahad

O Hugo era um tipo abrutalhado. Não era por mal. pedra bruta, era a sua natureza. Certa vez, depois de ter faltado 5 dias dias, a directora de turma perguntou-lhe a razão, ao que ele respondeu, inocentemente e com um encolher de ombros, "Estive de caganeira". Ela tentou disfarçar o riso. Nós não.
O Hugo travava uma luta diária com a literacia, e estava a ganhar. Num teste de Português copiou tudo pelo Nuno, e quando o Hugo copiava, o Hugo copiava mesmo: palavra por palavra - o que, curiosamente, não passou despercebido à stôra.
Gostávamos de jogar à sueca com o Hugo porque dizia "trrrunfo" e porque fazia passagens para apanhar a manilha que corriam sempre pro torto. Não gostávamos de jogar às cartas com o Hugo porque demorava eternidades a jogar, mesmo que só tivesse uma única carta na mão.
Uma vez gabou-se de ter beijado a Teresa. Tinha bebido da mesma lata de 7-Up e, explicou ele, pela regra da transferência isso era o mesmo que tê-la beijado nos lábios. Não era, asssegurou-lhe o Xavier, que ia diariamente para trás do refeitório com a Patrícia dar linguados à francêsa e por isso era, de todos, a maior autoridade  no assunto.
Às vezes fazíamos concursos a ver quem conseguia fazer chegar um fio de cuspo mais perto do chão e voltar a sorvê-lo e ele ganhava sempre. Até conseguia puxar papéis do chão, se levasse gosma q.b na ponta. Não folhas A4, mas os papéis das pastilhas Gorila e isso.
Nas aulas de Educação Física o Hugo perguntava às meninas se lhe queriam ver a pila. Elas diziam que não, mas ele mostrava na mesma. Mas quando jogávamos ao mata, todos queriam ficar na equipa dele, porque ele levava aquilo muito a sério e a probabilidade de alguém morrer era bastante real. O João que o diga, que levou uma bolada na nuca e ficou o resto da aula a babar-se no chão do ginásio, branco como a neve.
O problema do Hugo era ser muito competitivo. Uma vez fizemos um concurso para ver quem conseguia suster a respiração por mais tempo. O João aguentou quase dois minutos, até ficou roxo e tudo, mas o Hugo ganhou. Quase morreu, mas ganhou. Era um rapaz burro, bruto e ignorante. Fazia tudo o que fosse preciso para se safar. Era batoteiro e mentiroso, gabarolas e covarde...mas era a sua natureza. E a natureza sabe o que faz. Hoje, Hugo é chefe de departamento de uma grande empresa. Está bem de vida. Frequentemente viaja, sem interesse, para países que nós não conhecemos. Frequentemente muda de carro. Frequentemente trai a mulher. Frequentemente é aumentado, e já há lá na freguesia quem o pressione para se candidatar à presidente. E vai brilhar! Tenho a certeza disso. Porque a natureza sabe bem o que faz.