segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

I Saved The World Today ( um conto de amor? )

Carla estava desolada. Numa única semana tinha perdido o emprego, o noivo e o episódio final da novela.  "Lágrimas  De Paixão" ( argumento de Tó Zé Martinho, música de Paulo Gonzo ). Não ficou a saber se Frederico chegou a casar com Catarina, a empregada - moça pobre e humilde mas com muito talento para design de moda - do seu pai, o malvado Dr. Salgado, um poderoso industrial de Lisboa. Daqueles que têm uma herdade no Alentejo e tratam a mulher  e os filhos por você. Têm um filho e uma filha a quem deram o nome de Frederico e Rafaela, só para depois poder chamar-lhes Fred e Rafa - ele é bom, e ela é uma grande puta.- Não ficou a saber se os pobres ficaram ricos, e os ricos ficaram pobres. Nem se o bondoso Sr. Esteves, que tem uma oficina, chegou a conseguir pagar a dívida que tinha contraído para comprar no mercado negro Indiano, um rim para salvar a sua mulher - a D. Carminda. Perdeu o casamento do Pedro ( engº na EDP ) com a Anabela, que sofria de sindrome de Tourette ( chamava nomes aos transeuntes na 24 de Julho e mostrava as mamas na rua Augusta nos dias feriados).
Era muita má sorte!! Um belo dia, junto com a correspondência, Carla encontrou o panfleto de um feiticeiro " Professor KARALHE ". Muito conhecido e afamado, era garantido um trabalho bem feito. Já tinha curado cancros, casamentos desfeitos, impotencia do tipo "rigor mortis" e mesmo incontinencia agressiva. Era tão competente e sofisticado que aceitava pagamento com cartão de crédito e realizava, inclusive, consultas online.
No início, Carla fez de conta que nem tinha lido o anúncio. Nunca foi de acreditar em feitiçarias, não seria agora, em pleno desespero, que iria começar a acreditar.( isso é coisas para sopeiras e jogadores de futebol como o João Pinto ). Olhou para o porta-retratos e viu a face do seu homem... Bateu-lhe uma saudade tão grande e uma coceira nas ventas, que acabou por  mudar de ideias. Empolgada, enfiou um vestido bem justo e lambuzou os lábios com baton vermelho-vivo. Já estava a ver tudo : sairia da casa do feiticeiro de braço dado com o ex-futuro-noivo.
O escritório do Professor "KARALHE" era tão perto, que foi a pé. Sentiu o vento atravessar-se nos cabelos crespos, e balançou as ancas, sentindo-se tremendamente sedutora. Ia pegar naquele homem pelos colarinhos e faria misérias com ele, com a certeza de que, agora, ele não lhe poderia  escapar. Chegou à  porta do escritório e viu uma enorme placa, com o desenho quase abstrato de um negro envolto em panos brancos, onde se lia:

Professor KARALHE, pai-de-santo e consultor espiritual.

Traz o homem amado de volta no mesmo dia 

100% aos seus pés e de mais ninguém

Consultas 24h por dia

Aceitamos cheques ou cartão de crédito

Depois de aguardar duas horas e meia, e de ter lido um romance da "Harlequin" inteiro, finalmente foi recebida pelo feiticeiro. Pousou  sobre a mesa uma foto do seu homem, umas cuecas usadas, meias suadas e até uns pintelhos que tinham ficado presos nos dentes. Pediu ao Professor que o trouxesse de volta naquele mesmo dia, custe o que custasse.
O pai-de-santo, girando os olhos e fumando um charuto , disse que não precisava de nada daquilo. Gemeu algumas palavras desconexas, arregalou os olhos e perguntou se ela só o queria de volta. Carla respondeu que sim! Isso era tudo que ela queria, naquele momento.
- Mas você quer-lo, digamos, 100% aos seus pés? Pra não ser de mais ninguém?
O corpo de Carla tremeu em uníssono. Um sorriso quase lhe rasgou as bochechas, e ela anuiu com a cabeça, freneticamente, batendo as palmas das mãos e tremendo das pernas com um nervoso muidinho. O que poderia ser melhor do que, além de ter o homem de volta em menos de três dias? Tê-lo cem por cento aos seus pés, loucamente apaixonado, pedindo beijos e amassos?!
Com consentimento, o professor começou os trabalhos. Voltou a gemer, com os olhos em turbilhão, e repentinamente, interrompeu. Disse, com os ombros balançando, que era preciso fazer a oferta, senão o trabalho não teria garantias. Carla sacou de  uma nota de 100 euros e colocou-a sobre a bancada. Mas os espíritos recusaram. Aquilo ali não curava nem pé de atleta, que fará amor...
Depois de muito negociar, fechou o trabalho em 700 euros, Para ser tão caro, pensou ela, deve ser tiro e queda! Enquanto assim pensava o Professor anunciou, enfim, que estava feito. Aquele homem seria dela novamente e para todo o sempre. Cem por cento aos seus pés. E de mais ninguém.
Agradecendo, Carla deixou o escritório e, para seu espanto, avistou o noivo. Era demais para ser verdade... Do outro lado da rua, a comer uma sandes de coiratos, lá estava ele!
- João!!! meu machão! Olh'euaqui, toda sua!- Gritou Carla em grande espalhafato na rua. Ao ouvir tamanho escândalo, o homem pôs-se a correr e, apavorado, foi violentamente atingido por um enorme camião. O impacto fez com que o seu corpo fosse projectado mais de 20 mts e caísse bem na frente de Carla, inerte, sem vida. Ela berrou, e chorou.Depois do desgraçado ser enfiado num saco e numa ambulancia, Carla foi a correr para o escritório do professor KARALHE. 
- Ele morreu! Ele morreu aos meus pés,! Não era isso que eu queria!
O velho feiticeiro tirou o charuto da boca e sorriu. Do sorriso, formou-se uma gargalhada sonóra. Ela tremia. As meninas que  ajudavam o professor também sorriam, matreiras. Carla, revoltada, não conseguia entender a graça que aquilo tudo tinha, sentia-se enganada.
- Não pediu que ele voltasse para si? cem por cento aos teus pés?! Então, vai dizer que o trabalho não foi feito? Ele não pode ser de mais ninguém...
Carla parou de chorar por alguns segundos, raciocinou e acabou por concordar com aquela lógica. Limpou as lágrimas, agradeceu a atenção e pediu desculpas por qualquer inconveniência. Agora, só precisava de um emprego e aderir à MEO, para gravar as novelas. Voltou para casa, saltitante, e a lamber um gelado. Despiu-se, meteu um CD do Henrique Iglesias a tocar e dançou, alegremente, madrugada adentro.
Enquanto isso, Juvenal - o camionista- recebia 300 euros do professor, por mais um trabalho bem feito!

Moral da História:
Mais vale um noivo na morgue, que por aí a voar!


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